terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O Silêncio de Amélia



Amélia tinha verdadeiro pavor de contato humano. Era tida como excêntrica e antipática pelos colegas de escola. “Não sei a quem puxou”, dizia dona Heloísa, sua mãe. O fato é que a arrepios assombrosos lhe percorriam a espinha toda vez em que se via na obrigação de cumprimentar alguém.
Restringia-se aos livros e cigarros, enfurnada em seu quarto ouvia em estéreo e no volume máximo o disco “The Phantom Agony” de sua banda predileta, Epica. Era uma banda desconhecida, pensava Amélia, nunca viria para o Brasil. Olhava para o teto, sentia a estridência do violino penetrar em seus poros, era Cry for the moon; a letra é espetacular, Amélia acendia um cigarro em transe. “A te spiritus noster devoratur et nostra anima capitur¹.” Sentia-se inquieta, como se forças obscuras tomassem conta de seu âmago, precisava escrever sobre a música!
Amélia tinha 16 anos, passara pelos mais diversos cursos, nunca concluíra nenhum. Um vasto currículo em branco, pensava ela. Cursos são inúteis. Preferia o aconchego silencioso de seu quarto. Ela conhecia o mundo pelos livros e achava tudo tão previsível que nem se dava ao trabalho de se pronunciar perante algo. Havia estudado francês por três anos, pretendia viajar para França. Bobagem! Seus planos se desmanchavam com a mesma velocidade com que eram construídos. Seus medos eram maiores do que qualquer vontade que assombrasse seu peito. Qualquer um que se aproximasse, logo seria expurgado como um câncer.
Houve um dia em que foi abordada por um estranho na rua. Quando Amélia sentiu o par de dedos tamborilando suavemente no seu ombro esquerdo, o coração parou, o ar escapou dos pulmões e as pupilas se contraíram. O pânico se instalou de tal forma que não conseguia se mexer. Era o fim.
Excuse-me, lady. I’m kinda lost and i’ll liked to know where is the art museum. Amélia mantinha-se estática, muda e refratária. O turista caricato tomou um susto com a reação da moça, mas insistiu: Sorry, lady do you speak english? Sentiu-se leve como nunca. Os joelhos cederam e ela foi ao chão em câmera lenta. Há quem diga tê-la ouvido murmurar, algo que soou como um “How do you do”, antes de morrer.
Emmanuel Kant emprestou sua assinatura ao Epitáfio: “Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência.” Anthony foi deportado no dia seguinte. Os colegas da escola trocaram uma centena de e-mails durante uma semana. Dona Heloísa converteu-se a uma fervorosa facção cristã, vendeu sua casa de praia e doou todo o dinheiro para Jesus.


¹ “Nosso espírito é devorado por ti e nossa alma capturada.”

Mona M.

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