domingo, 12 de fevereiro de 2012

A morte de Amélia (Parte 1ª)

"Quando o adeus tem outro gosto,
que só nos causa desgosto,
esse adeus ninguém quer dar. Pronto." (Martha Medeiros)

Pois é. Ponto final, dois pontos: Amélia está morta. Amélia morreu. A notícia se espalhou feito onda quebrada. Amélia morreu? Morreu. Lá estava ela + um corpo que deixou de ser dela deitado naquela coisa de madeira com alças nas laterais + uma capela sinistra + paredes + assoalhos + tetos = tudo impregnado por outras milhares de lamentações funéreas, milhões de lágrimas negras de pensamentos irrecorríveis. O rosto, coberto por um véu branco, como que a protegesse da perda de luz, do lapso de ânimo, da rachadura do mistério. O véu no rosto. O véu do templo. O sacerdócio. O silêncio. O holofote piscando. Arristas quando morrem não deveriam perder o insondável. Amélia era, sim, uma artista completa: trazia contemplação e fruição e enigma e prazer. Então, pus o véu. Aquele rosto deveria ser preservado.
O velório da cidadã Amélia Figller, 27 anos completos, evocou, lá no cemitério Parque, uma antiga música do Ramones:

"Twenty, twenty, twenty, four hours to go
I wanna be sedated
Nothing to do, nowhere to go, oh
I wanna be sedated”


Daqui a pouco ela + o corpo que não era mais dela seriam levados para o jazigo perpétuo da família. A despedida de Amélia- que estava ausente, representada por um corpo presente- reuniu algo em torno de 200 amigos, familiares e olhares curiosos. 200 pessoas pedrificadas, no vago e aflitante local. E para onde ela foi? Talvez ela nem tenha morrido, mas simulado a própria morte para perpetuar-se nesse grande amor, escondido de nós. Mas que nada. Sai da frente que ela quer passar. Ela morreu. Virou fogo fátuo. Virou página e foto. Tocou um foda-se para nós. 

Quem estava de olhos fechados na capela não era mais a mulher que, ainda no final do ano de 2008, interrompera um show cover dos sex pistols, seus ídolos, para fazer um pequeno discurso: "Em primeiro lugar, caras, cês são um lixo! Segundo lugar...". Aquele corpo deitado naquela coisa com alças nas laterais deixara de pertencer à mulher incendiária que topava qualquer parada, inclusive atacar inatacáveis.
Dor. Calor. A mulher espichada na capela deixara de ser a personagem Amélia, finalmente, libertou-se de suas amarras. Eu sabia que ela não iria se eu estivesse ali espichada. Ela faria forfait e não viria mesmo ao próprio velório.

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