domingo, 29 de janeiro de 2012

A Caixa de Pandora

“Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinhos, há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas e há também, as que ignoram a existência das flores!” (Machado de Assis).

Notou que os ladrilhos formavam pequenos desenhos no chão do pátio, como flores desmaiadas. Usava um vestido de algodão, com pequenas riscas, era bom estar ali. Os cabelos estavam soltos e penteados pelo vento frio.
Sorriu.
Clotilde corria até ela saltitante, transbordando a felicidade do reencontro.
Entraram em casa, foram até o quarto, no mais profundo silêncio.
            - Vamos dar um pequeno show! Dizia ela entusiasmada. Clotilde concordou.
            Olhou ao seu redor. Era o melhor lugar do mundo, sombrio, gélido, entulhado de tralhas que insistia em guardar na confusa memória.
            -Que tipo de show? Perguntou Clotilde aflita, por conhecer bem as nuances da amiga.
            -Vou improvisar, me siga!
            Ergueu seus braços ao máximo que pôde, deu um impulso que fez com que tirasse os pés do chão e alguns segundos depois estava sobressaltando pelos cantos. Clotilde sabia que ela nunca havia experimentado tamanha felicidade. Puxou-a pela mão e logo estava voando também. Como num passe de mágica, agora voavam sobre um enorme lago na fria Sibéria, dando voos rasantes na água.
            Podem voar, não tenham medo! Isto é só um sonho!                
De repente lembrou-se que tinha que voltar. Eram 7 da manhã e precisava levantar. Era a pior hora do dia porque significava recomeço.
        Dentro de si continha um gigante desejo de agradar e jamais deixaria alguém fazer algo por ela, seu orgulho era um revólver apontado contra sua cabeça.
        A sensualidade estava em arrumar as gavetas e tirar o pó das prateleiras. As camisas deveriam estar organizadas de acordo com suas cores e os objetos arrumados esteticamente de forma que aproximassem aqueles que talvez estivessem a distância.
          A vida era perfeita se vivida de fora, distantemente, longe de qualquer coisa que a envolvesse de fato. Faria tudo para disfarçar seu temperamento fleumático. Gostaria de estar visceralmente ausente, sem as náuseas que frequentemente a acompanhavam.
Enquanto arrumava e limpava, procurava mentalmente um assunto que pudesse ser interessante para ser comentado durante o chá, na reunião da “liga”.
Os livros já estavam enfileirados de acordo com os assuntos. Usou um critério, a princípio caótico: esoterismo, educação, romance, filosofia. Pegou um livro por alguns instantes. Ah, Novok! Uma centelha de luz em meio a duas escuridões, assim ele definiu a vida e assim ela o definiu. Voltou à organização, seus livros foram colocados numa ordem crescente de tamanho. Foi difícil decidir se Rubem Alves entrava na prateleira de livros didáticos ou de ficção. A literatura infantil encontrou espaço junto aos livros de arte. Faltavam os livros de poesia. Era uma bagunça confusa de livrinhos finos, misturados com belas encadernações que se colocados deitados, ficariam mais sedutores e melhor conservados. Entre as revistas de decoração e moda se perdiam seus cremes, camuflando o desejo de disfarçar suas fantasias.
Foi aí que encontrou a caixa...
Demorou um bom tempo refletindo sobre aquela pílula azul, já tão badalada pela mídia. Mesmo sem motivo, sentia uma ansiedade que lhe fazia ver e procurar perigo onde não existia. Isso aumentava infinitamente qualquer aflição que tentasse se infiltrar em sua mente. Já não conseguia raciocinar com lucidez e suas relações eram restritas a conversas superficiais com as mulheres da “liga”.
Com a caixa em suas mãos, ocorreram-lhe idéias súbitas de extrema coragem e determinação. Era sinistro que sua intuição lhe adiantasse que aquela caixa conteria, no fundo, o mesmo que a caixa de pandora. Se não fosse o peso de suas vísceras, a náusea constante e aquela flatulência, sua imaginação poderia fluir de forma leve, limpa, colorida, provocando quase cataclismos.
Voltou a lustrar a mesa da sala, passou cera no chão. Os vidros pareciam refletir a fluorescência da tarde. Dobrou as toalhas como sempre, no tamanho adequado ao espaço das prateleiras do armário do banheiro.
E a pílula? Talvez seu efeito a deixasse mais leve, feliz e sedutora. O desejo é sonho. Envolvida inteiramente no movimento de lustrar as cadeiras, seu pensamento se deteve por instantes na reunião da “liga”. Não conseguia imaginar a reação das amigas se soubessem da caixa. Certamente a julgariam. Como pôde deixar que a situação chegasse àquele ponto?
Tomou sua decisão e entrou no chuveiro. Usou sabonete especial, o creme para os cabelos. Escolhia cada detalhe pelo cheiro. Colocou a calcinha vermelha, a blusa de musseline, seus sapatos novos e o perfume.
Depois de maquiar-se, examinou seu perfil austero diante do espelho. Ensaiou um olhar de domínio e poder, mas a misantropia de sua alma sobressaia-se a qualquer expressão de disfarce. Riu de toda aquela mediocridade.
Pensou que nenhuma pílula deste mundo poderia salvá-la de si mesma. Tomou a pílula e cancelou sua presença na reunião da “liga”.
Em sua turva visão, tudo estava nublado, como numa manhã cinzenta de inverno. Ainda tentou pegar a caixa, fazendo um gesto inútil até a gaveta da cômoda...

Mona M.

P.S.: O Conto que NINGUÉM entendeu! =[

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